quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O Rio não precisa de comoção - Elder Dias

O Rio não precisa de comoção - Elder Dias

             Faz muito tempo, anos até, eu ando no meu carro sem chave reserva. Há menos de um mês tranquei a titular dentro dele e tive de chamar o chaveiro. Total do gasto: R$ 20. Perguntei ao prestativo Sílvio, então, quanto ficaria para me ter também a chave sobressalente: "Mais 30 reais", me disse. Bom saber, fiquei de falar para ele fazer. Daí, passou. Aliás, passaram-se duas semanas. E novamente a chave, rebelde, se trancou no carro. E novamente estava eu à mercê de outro chaveiro, que foi mais careiro: me cobrou R$ 30. Os mesmos R$ 30 que o Sílvio cobraria – e cobrou, porque enfim mandei fazer – pela chave reserva. No fim das contas, a negligência custou R$ 80, enquanto eu poderia ter gasto apenas R$ 30.

Há décadas falam em medidas para solucionar o problema das áreas de risco em todo o País. Basta que aconteça um desmoronamento com vítimas, seja no Rio, em São Paulo ou em Minas. Se fosse em Goiânia, seria da mesma forma. Não importa: basta que seja no Brasil, o lero-lero dos políticos é o mesmo. Avaliam o custo, falam que vão investir em prevenção e depois deixam pra lá. Agora, o que poderia ser gasto em medidas de antecipação e na adequada restruturação do espaço urbano será consumido para reconstruir as cidades. Parece o caso da minha negligência com a chave do carro. Só que a verba é pública, o prejuízo não é individual e nem todo o dinheiro do mundo trará de volta aos familiares das vítimas qualquer um de seus mortos.
Mas este texto não é sobre a responsabilidade dos políticos. É sobre a responsabilidade daqueles que mais podem obrigar os políticos a se responsabilizar. Falo da imprensa, que, em meio a esse caso – como em todos os anteriores – sempre opta editorialmente pela linha da comoção e da solidariedade. É assim desde a principal rede de televisão do País, especializada em arrancar lágrimas com belas matérias sobre dramas pessoais, até uma pequena rádio do interior fluminense.
Nada contra a solidariedade, mas o Rio de Janeiro não precisa de comoção por parte da imprensa. Precisa, sim, de uma campanha perseverante da mídia, não para buscar e condenar culpados – porque, se assim fosse, lotariam Bangu 1, 2 e 3 de políticos e autoridades lenientes, nos três Poderes. Seria necessário, sim, em vez de procurar o choro do pobre que perdeu a casa e a família, que câmeras e microfones fossem atrás daqueles que, por seus atos e omissões, fizeram com que, neste momento, milhares de pobres chorem a falta de seus lares e de suas pessoas queridas.
Ora, qualquer repórter mais esperto – ou mais livre – sabe que não houve só uma tragédia; houve e há, também, um crime crônico e oficial, que passa de mandato a mandato. Não existe serviço mais importante e poderoso que a imprensa poderia oferecer do que uma briga pela investigação profunda e duradoura sobre como se concedem autorizações para o uso do solo neste País – e isso vale para Goiânia e cidades vizinhas, claro. A lágrima que a TV faz verter agora, com o pranto das vítimas na telinha, só garantem uma triste certeza: a de que eles se repetirão – pranto e lágrima –, de novo, em breve.

Elder Dias é jornalista.

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